quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

ALGUNS SOPROS DE UM VELHINHO DESORGANIZADO QUE JAMAIS TEVE A PRETENSÃO DE SE “REORGANIZAR”.


ALGUNS SOPROS DE UM VELHINHO DESORGANIZADO QUE JAMAIS TEVE A PRETENSÃO DE SE “REORGANIZAR”.
                                           Chellmí – Jovem Escritor Paulista – 01.12.2015


            Em um dia de desespero assim como outros tantos de sua existência, o velhinho teimou novamente em sentar em frente ao espelho e refletir sobre sua desorganização.

            O velhinho de aparência robusta e feição rabugenta, muito raramente sorria, seus momentos de suposta alegria estavam geralmente atrelados a cachaça ou a cerveja.

            Ele costumava dizer para meia-dúzia de pessoas próximas que já não conseguia se encontrar consigo mesmo e que além de se sentir um anônimo em seu próprio eu, ele não suportava mais conviver consigo nem sequer mais um segundo.

            Seus dias eram longos demais. O velhinho não dormia nem mesmo o mínimo necessário para aguentar o tranco do trabalho no dia seguinte. O velhinho tinha convicção de seu estranhamento consigo e com o mundo, estava ciente das suas limitações, mas mesmo assim teimava em se confrontar com seu espelho.

            O velhinho contava em seus momentos de despejo de mares salgados num corpo amontoado de terra, que pensou ter vivido sua juventude plenamente. Naquela época, o velhinho dormia menos que os dias atuais, suas bolinhas brilhantes demoravam a esconderem-se nas noites ensolaradas, sim, isso mesmo, ele dizia que pensava estar vivo por conta de suas noites ensolaradas.

            O pequeno linha de frente destas palavras talvez tenha pensado por algum momento que poderia ser intocável, ser iluminado, ser um furacão, ser areia do fundo do mar, ser um sorriso aberto até seus últimos dias nos terrenos que parte da humanidade julga conhecer, mas hoje, velhinho, já não pensa como antes, se pensa, só consegue transpor aproximadamente 5% do que lhe sangra, 1% do álcool que lhe faz ranger os dentes e talvez, talvez os outros 94% numa escala inútil de 100% estejam escondidos entre o amarelo de seus dedos e o acumulo de bitucas e cinzas amontoadas num recipiente metálico.

            Alguns chegavam a falar que o velhinho se sacrificava em dormir em cama de pregos por opção, outros costumavam bater em suas costas oferecendo colchões macios, já outros juravam enxergar no velhinho uma espécie de vontade, uma espécie de sabedoria, uma espécie vivacidade, enquanto outros sacavam que o velhinho não passava de fruta podre na lateral da feira. O velhinho a todo instante torcia para ser ensacado e triturado e então ser jogado num lugar em que ninguém mais pudesse pensar em nada a seu respeito. Mesmo com toda a angústia de um segundo passado, de uma flecha lançada e de uma oportunidade perdida, o infeliz do velhinho sentava-se na frente do espelho.

            Em seu tempo de fragilidade adulta se meteu em lugares nunca antes imaginados. Entocou-se em bolhas coloridas viajando num universo singular e construindo a imagem de guris e gurias em seus braços lhe chamando de pai. No fundo ele carregava a frustração em peneira de buracos milimétricos para que tal viagem pudesse ser um tipo de substância que lhe deixava em estase por algum tempo dentro da bolha colorida. E a peneira lentamente naqueles momentos derramava frustrantes águas salgadas novamente no corpo amontoado de terra.

            O velhinho fez questão de ocupar quadrados incolores para flutuar em utópicas lutas aos olhos dos sábios entendedores da vida. Seus ventos mudavam de direção nestes quadrados quando ainda tinha o mínimo de coerência para jogar tinta onde estava incolor. Muitas vezes o velhinho teve a necessidade de mostrar ao mundo aquele ambiente em transformação, porém, foram incontáveis as vezes em que o velhinho teve vontade de largar as cores para que os sábios entendedores da vida continuassem propagando suas sabedorias em seus quadrados sem cor. O velhinho contava que a cada minuto recebia uma martelada no peito e uma pancada na cabeça, um tipo castigo dolorido que não sabia explicar, mas que alimentava sua utopia.

            O velhinho de mãos de lisas escondia os calos na alma e de vez em quando girava a chave.

            Ele dizia que seu corpo era uma linha amarrada no estirante de uma pipa mal confeccionada que em raros momentos de ventania deixava de fazer barriga e se mantinha firme, reta e com uma força incontrolável, mas que eram tão raros, tão raros estes momentos de ventania que mal podia se deleitar do planar e logo se deparava com os apuros de uma pipa pensa. Assim o velhinho se referia ao seu corpo, horas ação e horas reflexão. Empinava sobre uma corda bamba, a laje era muito cheia de concreto. Firmeza demais nunca lhe fez bem, dizia ele.

            Na multidão erguia sua bandeira de palavras, na conversa não tirava sua bandeira da mochila. Na conversa ele era olho atento e ouvido aberto, na multidão era farelo do resto de lanche dos sábios entendedores da vida.

            O velhinho, cara de pão com ovo, rabugento e de sorriso amarelo após alguns goles parecia ter um pouco de criticidade, apesar de enfatizar a todo o momento que não passava de macha irremovível de avental surrado.

            Em meio a tantas palavras de amargura e angústia, o velhinho se posicionava contra qualquer tipo de injustiça feita com o povo que lhe circundava, o povo que corria em suas veias saltitantes. Policiais que atuam como marionetes da opressão, fazendo dos seus pares seus principais alvos, professores pelegos, governantes detentores de poderes odiosos, seres individualistas que propagam a distorção do coletivo. O velhinho não suportava.  Ele fazia questão de se desprender do anonimato do seu eu, para concentrar em seus frágeis punhos e esqueleto que se arrastava, energias que só poderiam existir no ato do corpo estar em sintonia com o palpitar do coração, que nem ele com toda sua ignorância e nem os sábios entendedores do conhecimento da vida poderiam se meter a besta de procurar explicações.

            Na capital em que o sangue escorre desde o nascimento até o dia em que a terra cobre o paletó de madeira, o velhinho de feição pesada, desacreditado de quase tudo em sua passagem neste terreno, contava que em seu pequeno coração nunca conseguiu, por mais que tentasse, colocar um cadeado, girar a chave e lança-la num universo de chaves perdidas.

            Aos sábios entendedores de suas próprias vidas e das vidas alheias, aos ignorantes rabugentos como o velhinho e aos que são bigornas e se passam por pena de pavão, fica o desafio de arriscar a idade do velhinho, se ele está vivo, se ele realmente existiu ou existe e se podem recolher os cacos do espelho em que o velhinho teimava em se deparar ou sentar diante do mesmo espelho e procurar a porcentagem de teimosia que pode existir em cada ser.

            Antes de partir, o velhinho pediu para avisar que se as línguas dos sábios entendedores da vida estiverem queimando para responder prontamente, que os mesmos as colocassem na água estocada da chuva, ou fizessem uma vaquinha entre eles para comprarem litros d’água de alguma empresa da família dos governantes detentores de poderes odiosos.

            Sábios? Velhinho? Bigorna? Pena de pavão?

            Por onde andam?       

terça-feira, 4 de agosto de 2015

UM SAMBA CESSADO


O samba que cantei
Não ecoou na avenida 
Não fez sussurro nos blocos 
Porém, mudou minha vida 

No início do desfile tiraram a baqueta de mim
E o que eu podia fazer, sem tocar meu tamborim? 
Passei madrugadas em pranto para escrever o meu samba
Naquele momento me senti, como entulho na caçamba
O coração bateu desconpassado, a alegria se foi
Minha harmonia então murchou,
Ninguém me deu boi

O samba que cantei
Não ecoou na avenida 
Não fez sussurro nos blocos 
Porém, mudou minha vida 

Minha vida mudou quando fui deixado de canto 
Daí pra frente a solidão virou camisa,
Que hoje visto como um manto 
Carrego um lápis e um papel e sigo rascunhando sozinho
Vivo atordoado e sem rumo, já não encontro mais um caminho 
Desejo que o mundo que roda um dia eu conheça
Enquanto isso meu samba encanta, somente dentro da minha cabeça...

O samba que cantei
Não ecoou na avenida 
Não fez sussurro nos blocos 
Porém, mudou minha vida 

O POETA E SUA GRANADA


O poeta de leveza nos olhos 
Carrega o peso da luta 
Desnecessariamente se expõe 
E necessariamente ocupa
Ocupa muros, corações e mentes 
Ocupa, ocupa o que não pode ser desocupado 
Entre sorrisos, abraços e dedos do meio
O poeta é a esquiva do vento torto
Rasteiras, voadoras, tiros, caras feias
Nada disso detém o poeta 
Varre rua e escreve na guia 
Dorme na sarjeta e rabisca a calçada 
Pinta as nuvens e picha no céu 
Conta anedota nada hilária 
Melhor, ele é a anedota hilária dos insensíveis 
Eita poeta zika 
Tirou nicotina do beiço 
Meteu a faca no que parecia ser duradouro 
Dedilhou violões inexistentes 
Tomou cachaça pra esquecer 
E escreve pra não morrer 
Vive com a granada na mão 
Prestes a puxar o pino
Enquanto a disposição não vem
Estoura palavra na guerra 
Se refugia na trincheira do pensamento 
Rabisca versos-escudos para artistas exuberantes
E finge parecer são, por ser tão louco
Este poeta...
Este poeta, vive para incomodar as verdades blindadas.

UM "EUS"

quinta-feira, 30 de julho de 2015

A LEVEZA DOS ANOS


Aos 5 conviveu com o pai deficiente na cama 
Aos 6 sonhou ser jogador de futebol 
Aos 7 repetiu a primeira série 

Aos 8 começou a brigar na rua
Aos 9 tomou seu primeiro porre
Aos 10 já não prestava atenção na aula
Aos 11 começou questionar os pais
Aos 12 não suportou a separação dos pais
Aos 13 começou a "pixar"
Aos 14 começou a sacar a humilhação
Aos 15 tomou um cassete da rota
Aos 16 começou ser mão de obra explorada
Aos 17 começou a grafitar
Aos 18 pensou conhecer o amor
Aos 19 tentou entrar na universidade
Aos 20 continuou sendo explorado
Aos 21 ainda não sabia nada
Aos 22 prestou Unesp
Aos 23 passou na Unesp e fracassou
Aos 24 renasce a escrita morta
Aos 25 desemprego e bicos
Aos 26 mãos calejadas para construir a goma
Aos 27 entrou na Usp
Aos 28 pesou 48kg
Aos 29 quebra um teco da casca do coração
Aos 30 parecia ter reavivado sonhos
Aos 31 se sente um copo descartável
Aos 31 vê Dener e/ou Catarina só em lágrimas
Aos 31 o coração sangra
Aos 31 só gostaria que fosse 31
Aos 31 ainda arranca sorrisos dos filhos de amigos
Aos 31 não carrega certezas
Aos 31 só pensa na hora da última dormida
Aos 31 cansado de sobreviver não sabe viver
Aos 31 "aquele abraço..." 

segunda-feira, 27 de julho de 2015

PRENDEdor


PRENDEDOR 
PRENDEDOR 
PRENDEDOR 
PRENDEDOR
PRENDEDOR
  PRENDEDOR...

PRENDE a DOR no coração até suportar
Solte a refém
E no dia em que a dor não for mais dor
Me conte sobre tal experiência
Quem saiba assim eu deixe de ser
Um reles PRENDEdor. 

M A R G I N A L


Na margem Cinquenta não é onça, é galo !

Na margem Sessenta, sessenta, cê senta...
e espera o Estado te respeitar e vira caveira.

Na margem Setenta, setenta, cê tenta...
não apanhar o fuzil e guerrilhar mostrando como se faz.

Na margem tem aquele que EXPRESSA de maneira coerciva o LOCAL que considera ser seu por destino, se julgando o CENTRO da ervilha chamada mundo.

Na margem não tem prédio espelhado e ar condicionado pra tentar apagar a vista e o odor de rio de merda.

Na margem o farol alto está aceso desde as 4 da matina e muitas vezes as setas para trocar de faixa são acionadas pelo capital que torna o esqueleto nojento.

Na margem, Cinquenta, Sessenta, Setenta, Oitenta, Noventa, Noventa, Noventa...

Cem !

Sem, sem, sem esquecer que o combustível da margem um dia será utilizado na e para a margem...
sendo assim, reclame mesmo de tanque cheio enquanto pode ou acha que pode. Vai, vai, vai, bufe alto.

E por aqui esse condutor bração continua reduzindo a velocidade e seguindo na moral...

Sim, enquanto uns querem luxo o bração faz questão de se firmar M A R G I N A L.

MADRUGADA


Minhas madrugadas sem sono 
São como meus dias sonolentos.
Meus tempos não são iguais meus sonos 
Sendo assim...
Acordei numa escuridão só para que
meus ponteiros girassem ao contrário 

AS ESTRELAS, SEUS BRILHOS E MINHAS BRISAS


Os olhos procuram no céu estrelas cadentes 
A brisa noturna arrepia a espinha 
Avisto íris ofuscadas e corações carentes 
Madrugada gelada que ali era só minha

Cada segundo eternizado num mundo calado
Solo árido num peito tão seco
Uma face alagada e um caderno encharcado
Borrou-se as palavras perdidas num beco

A lua não quis chamar atenção
As nuvens foram bailar
Os deuses dormiram no chão
E meus pensamentos... Aqueles não pude cessar

O reflexo nas águas não brilhava pra mim
O morro esverdeado eu pensei colorir
Levantei-me tão cinza em busca de um fim
E com olhares sangrando vi algo estranho se abrir

Eu, vagalume esticado depois da perca de luz
As ondas quebrando em meu corpo imobilizado
Ao longe um vendaval, que enfim me seduz
E um sopro no ouvido ecoando "mano, você é um zoado"

A tempestade fez o mar bravejar
O pulsar no tórax acelerou bruscamente
Um clarão no meu íntimo me forçou despertar
E até hoje não sei, se toquei numa estrela cadente ou numa estrela carente. 

NÃO DESACREDITA NÃO...


Na brasa periférica sou maloqueiro nato 
Calça larga, bombeta, nada de verso imediato
Poesia que surge da reflexão e do coração atento
Olhos esbugalhados que me tiram da condição de só lamento
Envolvimento em pensamentos chamados de dedo na ferida
Meus pares morrem, reaça aplaude e a vida prossegue sofrida
Me sensibilizo ao falar das flores e dos exalares de seus perfumes
Mas, num rio de sangue luto para que não continuem boiando nossos cardumes
Opressão policial, opressão do capital, opressão coletiva e individual
Aqui a ação do marginal, a ação da palavra frontal, é soco no peito do preconceituoso boçal
Não necessito de palco mas, se eu estiver nele, beleza !
Sou grato pelo chão, rimar na rua e tentar afastar um pouco a tristeza !
Não fui aprovado no padrão de qualidade do inmetro, tá ligado
Minhas poesias não precisam de rótulos para que eu seja um escritor aclamado
Sou a ralé da escrita, as águas nas guias da literatura
Meto-me a besta a escrever só para cutucar seu ego, chamado censura
Cansado de comentários raso vindos de onde o nariz aponta
Estes versos pretendem deixar pinóquios mais perdidos que barata tonta
Surfei nas ondas da ingratidão e desci as ladeiras do terror
Agora tento pegar rabeira no imaginário de quem me faz acreditar no amor
Educação tá na mente e no coração, grafada no braço se tornou meu escudo
O saber não compartilhado se mostra como livro na estante fechado e mudo
Mundão para gritar comigo toda hora e sussurra um pouco por favor
Já pedi isso antes e ai de mim se não me armasse e fosse pra batalha como um gladiador
Sou Sarau da Brasa, Elo da Corrente, Samba do Congo, sou Brasilândia
Troco olhares com nossa gente depois do dia longo e não sonho com diversão artificial de Disneylândia
Vou nessa dizendo que o tal do Michell pode ser pra você um ser que tanto fez ou tanto faz
Mas, ainda não sabe muito do que o tal do Chellmí é capaz. 

INSÔNIA

NÃO CUSTA NADA OU O NADA NÃO TEM CUSTO ?


Quiseram comprar minha identidade 
Comprar minha andança 
Comprar meu chinelo de dedo 
Comprar o pouco que escrevo
Comprar meu raro sorriso
Comprar nossas ruas de terra
Comprar nossos dedilhados autodidatas
Comprar minha loucura
Comprar meus máximos 3% de doçura
Quiseram comprar meus olhares
Comprar o gingado do meu corpo
Comprar a tradução das nossas gírias
Comprar meus passos nos ares
Comprar meu rastejar em terra batida
Comprar o que pensei
Comprar o que nunca cantei
Comprar a vista grossa
Comprar a prazo de estupidez
Quiseram me colocar na vitrine
Comprar os cacos das palavras, fiado
Comprar um nada que não tem valor
Não tendo o que vender, não vendi
E neste exato momento...
Sou as moedinhas de troco de uma literatura de qualidade incalculável. 

"SOFRIMINTO?"


Se minto sobre a veracidade da violência 
Transpondo feições de indignação 
Meus punhos nas lutas por clemência 
Ainda se fecham diante da militarização

Meu habitat periférico não me tira do centro
As poças de lama deram lugar às de sangue
Matam sonhos decepando cabeças aqui dentro
Os projéteis nas favelas não são de filmes de gague

O céu azul permanece nublado com o extermínio
Vielas com sirenes e corpos sem ar
Estraçalham humanos para manterem o domínio
Se estou mentindo, qual verdade irão me contar ?

Brasil de farda opressora
O galo nem canta mais na madrugada da quebrada
Calibres hostis maquiados de sensação protetora
Enquanto a lágrima escorre, a elite se agrada

Grande mídia podre e nojenta
Menos de 1% é leal
Quem não virou marionete não aguenta
Vocês não valem 1 real

Reduza a maioridade e se prepare para o tormento
Hecatombe dos nossos tira o sono
Quando o opressor cair não restará nem lamento
Xerox ou ampliação de vidas em papel carbono

Sofro e não minto nesta guerra evidente
Que me joguem na vala ou me deixem aos ventos
Acabaram com a vida duma criança inocente
Isso não é "sofriminto" nunca irão entender nosso reais sofrimentos.

CARREGADOR


Acordou leão cheio de energia
Rugiu, foi valente até quando pôde
A bateria parecia não querer acabar
Esbravejou, subiu no último degrau da escada
Quis tocar as nuvens
Parecia um pisca-pisca de natal
Cheio de brilho e marra
Enfureceu-se diante do que considerava caça
Pulou da escada e mergulhou num rio doce
Nadou de costa, boiou, deu braçadas e bateu pezinhos
E nada da bateria acabar
Saiu da água, seguiu na direção do nariz
De tão empinado pegou a rabiola na mão
Guardou as gotas da chuva no seu chapéu
E esbarrou no Bem-Te-Vi
Ao entardecer o sol lhe encarou
Com raios certeiros tonteou o pedregulho
Ao cair observava o sol partindo
E ao mesmo tempo a lua surgindo
Imóvel e sem voz só os olhos falavam
Gritavam, "eu sou forte, eu sou forte"
A lua apertou suas mãos e lentamente
Colocou-as sobre seu peito
Naquele momento a luz vermelha do coração
Foi se apagando e seus olhos parando de gritar
E ainda hoje a terra se pergunta
"Até onde podemos CARREGAR a DOR ?"

SerMano


Pintei de amarelo a torta linha cinza
Depois escorreguei num Arco-íris 
Ouro 24 quilates era um lápis apontado no fim
Avistei uma gota triste escorrer
Escondi meus vermelhos brilhantes
Toquei no rosto, toquei na mão
Queria tocar no coração
Dar um beijo na mente
Bem lá dentro para aliviar
Arranquei sorrisos
Até palavras embaralhadas
Me senti um grãozinho minúsculo
Um vento que soprava fraco
Mas, minha vontade
Minha vontade...
Essa navegou em oceano positivo
Firmou o sangue das veias
Passados 20 minutos
Os passos até o portal
Duraram segundos
Vermelhos brilharam novamente
E eu olhei para o céu e pensei
"Fraquejar não é a meta"
Ajeitei a bombeta e andei calmamente
Apanhei a nuvem que parecia uma estrela
E a cada manhã a tiro do bolso
Só para reluzir na face dela
Logo menos espero ter seu brilho
Diante dos meus vermelhos de felicidade.

AS IDAS SEM VOLTAS


A cantoria falhou
Os ouvidos fecharam
O peito parou

E assim lhe deixaram

Triste foi o fim
Do começo inexistente
O choro se tornou jardim
Pra quem bancou pensar diferente

Homem inútil
Mulher forte
Sujeito fútil
Não foi falta de sorte

Um passo por vez
Uma noite sem sono
Quem saiba talvez
Deixe de ser um mero carbono

Tem o dom pra estragar
Não sabe porque existe
Não tem o dom pra amar
E assim o rascunho resiste

A casca é fina
O coração já não bate
Tortuosa esta sina
A cada suspiro um embate

Falou de carinho e atenção
Foi oco e raso
Se perdeu na multidão
E só, sente o descaso

Mergulhou no asfalto
Voou em alto mar
Caminhou sobre nuvens com salto
Fechou os olhos e não conseguiu mais sonhar

Seu olhar mareja diariamente
Vozes ecoam na tua cabeça
O figura se tornou indiferente
E deseja que todos o esqueça

A simpatia é o que resta
Só a Educação pra movimentar
Lambeu com os olhos e comeu com a testa
Não encontrou forças nem pra se ancorar

Assim ele seguiu sem rumo
Em passos curtos e pequenos
As letras tornaram-se materiais de consumo
Num mundo em que o fez degustar os piores venenos.

ARRISCANDO


O colorido dos olhos chamam atenção
As borboletas cansadas continuam voando
No céu as nuvens trazem inspiração

Nos ares da poesia prosseguimos planando

Inúmeras viagens com a caneta
Infinitas reflexões com o papel
Para que o natural não seja canhão e escopeta
As palavras amargam e adoçãm feito o limão e o mel

As tintas nos muros incomodam e encantam
O rosto abatido traz interrogações
As fardas de longe espantam
Vozes certeiras que alcançam seus corações

Do muito que se mistura ainda existe separação
Nas divisões impostas há sempre um perdedor
Enquanto houver segregação
Haverá um lado que sofra com a dor

Que os passarinhos não parem de cantar
Que as cores continuem vibrando
Que o pé de sonhos continue a frutificar
E que os poetas destas frutas sigam degustando

"Quem nunca viu doce se lambuza" diz o ditado
Viver do azedo nem sempre é agradável
Ao invés de observar meu redor como um coitado
Me arrisquei escrever o que será sempre inefável

SONHOU SEUS SONHOS


Nas profundezas da tristeza ele navegou
Nos ares da infelicidade foi obrigado a planar
O ferimento do seu coração nunca cicatrizou
Escondeu-se do mundo e poucos viram sua lágrima rolar

Água bateu na bunda ele aprendeu a nadar
Sua fraqueza alada danou-se a voar
Aprendeu detectar mentiras, um potente radar
Enterrou-se vivo para sua poesia se sufocar

Subiu em árvores para fugir do concreto
Desceu morros e encontrou-se com malandros
Engoliu o choro e aprendeu ser discreto
Descartou os curvas de rio e aloprou os meandros

Deixou de ser espada e se tornou escudo
Preferiu continuar “burro” que bancar o intelectual
Grita quando acorda, grita quando dorme e continua mudo
Tornou-se boxeador que só acerta gancho sentimental

Pisa em nuvens e ovos com a mesma cautela
Tornou-se rabugento e nem sempre é risonho
Articula magia entre os becos e vielas da favela
Por mais que você não entenda... Ele sonhou o seu sonho.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

A LEITURA E A ESCRITA ENTRE ESPINHOS E ASAS


          Às vezes nos pegamos lendo histórias alheias sem nos preocuparmos com a escrita das nossas próprias histórias, sem nos atentarmos em nos lermos, sem direcionarmos nossos rabiscos, nossos borrões, as pontas das flechas que neste caso podem ser nossos olhos e não somente nossas mãos. O que falta ou faltaria para nos lermos? O que falta ou faltaria para não sermos somente traço constante de cópia? Se não falta ou faltaria nada, o que sobra ou sobraria para nossos olhares se sensibilizarem com o que não está diante deles?
     Os livros aparentemente quando os tocamos não têm espinhos, inicialmente podemos apalpá-los, cheirá-los, guardá-los no bolso, na mochila sem que nos sangrem as mãos e sem que saiam voando em qualquer direção. Sim, quando fechado parece não ter espinhos e nem asas.
        Quais livros que se abrem para nós? Ou mesmo aqueles livros que abrimos para nós, sangram ou voam? 
        Quando folheamos páginas invisíveis não temos como saber se há ou não a existência de espinhos, se sangram, se voam, se correm, imediatamente as páginas invisíveis não nos dizem muita coisa. Aliás, o imediatismo nestas possíveis leituras e escritas do visível e do invisível chega somente como uma grande dose de morfina na veia, ou seja, independentemente se os livros ou olhares ainda estão fechados e não sabemos  se sangram ou voam, por hora dou-lhes pitacos para que não deixem o tal imediatismo influenciá-los, ele veio para que nossa dormida seja guiada apenas para uma dormida, apenas para uma dormida, apenas...
       Ao nos dispormos em abrir olhos e livros, estamos nos dispondo ao sangue e as asas, isto é, à leveza e à tonelada, ao soco no tórax e ao ósculo na face, à tubaína de saquinho e ao veneno das celas geladas, ao odor de incenso de sândalo e ao gás de pimenta, não só sangue e não somente asas, com livros e olhos abertos, não só, não só...
      Com ouvidos abertos e olhos atentos podemos ver e ouvir ou ouvir e ver o Sr. Sereno do grupo Fundo de Quintal cantar que “Ser poeta é cortar carambola em forma de estrela/ Quem dificilmente consegue obtê-la/ Faz o coração em forma de maça” ou Carlos Eduardo Taddeo cantando 

“A era contemporânea com seus rifles e tocas ninjas
Deu luz no solo segregado, a era das chacinas
Depois das 10 todo excluído, vira alvo vivo
Candidato aos Clá-Clá-Bum e velório coletivo
O pedido do secretário de segurança é especifico
Soldados atenção! Sem testemunha e feridos
Abatam pelo cabelo, pela roupa, pela cor
Só cuidado com a laje, com cinegrafista amador
Da um vazio vê que ainda não fiz o escrito
Com o poder de evitar os enterros coletivos
Impedir que os antigos vizinhos de rua
Depois dos Bum se tornem vizinhos de sepultura.”

       Podemos dizer também que se torna um grande atentado quando temos que ler uma obra considerada clássica por obrigação, seja para o vestibular, para uma prova na escola, para um concurso de mestrado, porém necessitamos de tais reflexões para podermos observar como a sangria destes espinhos pode reverberar em potência, seja esta potência para determinados fins ou para indeterminados processos de um meio ou início.
      As leituras podem trazer escritas engajadas ou não, as escritas podem trazer leituras engajadas ou não. O que seria engajamento literário? Quais os pontos de vista? Quais os pontos de partida? A complexidade do que não pode ser raso ou oco muitas vezes não precisam ser compreendidas e sim vivenciadas por cada leitor e cada ser que se dispõe a escrever. 

       Silvia Castillón em seu livro, “O direito de ler e de escrever” nos diz que
     “Um dos problemas fundamentais reside no fato de que as leitura tem sido promovida como algo de que se pode facilmente prescindir, como um luxo de elites que se deseja expandir, como leitura “recreativa” e, portanto, supérflua. E isso numa sociedade em que, segundo as estatísticas, 70% da população se encontra abaixo dos níveis de pobreza ou pobreza absoluta, população para qual basta e sobra apenas televisão para recrear-se, algo que não exige nenhum esforço de quem já tem feito demais para conseguir sobreviver.” 
      Os questionamentos e as críticas não excluem de maneira alguma a liberdade de criação, desde que o sujeito ou a sujeita tenham consciência do porque estão questionando e criticando.
       Paulo Leminski, por exemplo, ofusca e colori nos pensamentos ao mesmo tempo quando adentramos em seus espinhos 
“Sol
Lua
Por que só um  
De cada 
No céu
Flutua”

         E a palavra? Quais asas, quais espinhos nos atravessam diante da palavra?
As vozes que não deveriam ser caladas diante às barbáries cometidas pelos que se dizem educadores e educadoras no Brasil e mundão afora ressurgem através do corpo, das ações, do grito que não cabe mais dentro de um corpo cheio que insistem em fazê-lo vazio. Assim sendo, a CorpOralidade proporciona novas leituras de seres que não permanecem imersos ou não querem permanecer imersos nas obras em que continham espinhos e nas obras que só continham asas. 
       Bia Bedran em seu livro “A arte de contar histórias” ressalta a importância da oralidade para transformarmos memórias vivas em vivas memórias, que não somente as leituras literais nos proporcionam espinhos ou asas. 
     “Câmara Cascudo denomina “escritores verbais” aqueles que de geração em geração persistem, com sua voz invocadora, em ressuscitar na fórmula viva do processo oral o que não deve morrer no esquecimento”.
        A leitura e a escrita partindo do ponto de vista literário ou do ponto de vista da memória estão rodeadas de aromas, temperos e sensações que a certeza ou a busca pela certeza nunca será capaz de identificar minunciosamente os detalhes da simplicidade, isto é, enquanto alguns ditos educadores ou educadoras continuarem colocando a bola debaixo do braço e deixarem de brincar na rua quando contrariados, jamais poderemos fazer embaixadinhas e levantar a bola para crianças, jovens e adultos marcarem golaços e comemorarmos juntos.
        Com livros abertos ou livros fechados, com olhos atentos e ouvidos abertos continuemos sangrando e voando para nos aproximarmos de sentimentos diversos que as leituras e as escritas podem nos dispor. Que venham mais espinhos e asas.


CHELLMÍ * Graduado nas ruas pela Universidade do Asfalto e da Terra Batida, Mestre em Vagabundagem pelos locais mais remotos de São Paulo e atualmente é Doutorando em Malandragem Social pela Universidade Invisível que está situada no Estado do Pensamento.